Fracasso pessoal como trampolim para a riqueza

…Vou narrar um fenômeno prático que eu assisti por anos e anos lá em Cambridge Massachusetts.
Um jovem de classe média do Brasil, muito inteligente que sempre se deu bem nas provas e é admitido no doutorado em economia no MIT ou em Havard.
Ele chega lá, pensando que vai escrever uma tese crítica à teoria econômica dominante. Contra a economia neoclássica pós-marginalista. Ele vem com intenções de rebeldia. Vai ser um pensador.
Chega lá, e depois de algum tempo, constata que não consegue fazer.
É claro que é contra a maré, mas ele não é proibido de fazer. Ele não deixa de fazer [a tese “revolucionária” que imaginava] porque os mentores o proíbem. Ele deixa de fazer porque ele não consegue fazer. Ele não sabe por onde começar. Ele não tem uma formação mais ampla. Não conhece na intimidade a história do pensamento econômico. Não tem ideias filosóficas ou de teoria social mais elaborada. Então, ele não consegue fazer. Aí ele se rende. E acaba escrevendo uma tese aplicando a teoria que ele pretendia atacar.
Sua tese trata de algum aspecto da experiência brasileira que ele vivenciou. Por exemplo, uma tese sobre a hiperinflação. Com isso, ele tem uma experiência de fracasso, de malogro. E até de corrupção pessoal. Não é um malogro só intelectual, é um colapso do projeto existencial dele.
Aí ele pensa assim: eu sou um jovem de classe média, eu não vou ser o pensador que eu imaginava…, pelo menos, eu não vou ser pobre.
Rousseau comenta em algum lugar. Eles não puderam ser homens (sic), então, decidiram ser ricos.
E essa é uma experiência recorrente, então esse jovem diz: eu vou trabalhar lá no BC ou na Fazenda e depois eu vou alavancar isso numa banca privada e eu vou ser rico.
São essas pessoas que escreveram os planos econômicos no Brasil e conduziram a política do Estado Brasileiro. E a posição deles no país é uma consequência direta de fracasso pessoal que eu acabei de relatar. Eu gostaria de ver esse ciclo interrompido. E eu dei só esse exemplo numa área, mas em outras áreas ocorre a mesma coisa.
(Trecho de palestra de Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República)

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SEGUNDA OPINIÃO é um espaço aberto à análise política criado em 2012. Nossa matéria prima é a opinião política. Nosso objetivo é contribuir para uma sociedade mais livre e mais mais justa. Nosso público alvo é o cidadão que busca manter uma consciência crítica. Nossos colaboradores são intelectuais, executivos e profissionais liberais formadores de opinião.

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