A falácia do déficit da Previdência e da necessidade do ajuste fiscal, por J. Carlos de Assis

A reforma da Previdência e a PEC-55, ou PEC do Teto, são irmãs siamesas. Fazem parte do pacote de empulhação pelo qual o Governo de Temer quer transferir de forma permanente ao sistema financeiro especulativo centenas de bilhões de reais dos recursos do Estado oriundos de tributos. Não há gastos excessivos nem na Previdência, nem no orçamento geral da União. Há, sim, uma queda de receita pública devida a anos de recessão e, nestes dois últimos anos, de depressão. Só há uma forma de inverter isso: ampliar o déficit público.

O governo Temer, ao pretender impor esses projetos, tem tido muita sorte. Encontrou na grande mídia brasileira uma quadrilha de ignorantes, corruptos, pretensiosos que lhe vem dando suporte ideológico com o propósito descarado de enganar a população. Tome-se a propalada reforma da Previdência: os comentaristas e os “analistas” ouvidos pela principal televisão brasileira assumem o discurso do governo, segundo o qual, sem a reforma, será impossível pagar aposentadorias e pensões no futuro.

É um engodo. O fundamento dos dados enganosos do governo são previsões para os próximos 20, 30 ou até 50 anos apontando um suposto desequilíbrio atuarial do sistema previdenciário. A empulhação começa por aí. O sistema previdenciário brasileiro não é atuarial, ou seja, não é baseado na acumulação de contribuições ao longo do tempo. Ao contrário, trata-se de um sistema em bases correntes, pelo qual a geração de trabalhadores ativos de hoje paga pelos contribuintes que estão aposentados ou ganhando pensão.

Nesse conceito, o principal fator a considerar é o crescimento potencial do PIB e da receita previdenciária para pagar a expansão de aposentadorias atuais e futuras. Ora, o governo usa as piores projeções do PIB em seus cálculos. Isso reduz a receita prevista. É um embuste. O pressuposto da análise é que teremos uma depressão ou recessão indefinidas, o que, obviamente, geraria um déficit permanente e crescente. Se houver um crescimento decente do PIB, o que é perfeitamente possível, a Previdência logo se equilibraria.

Agora vem o complemento dessa insanidade, igualmente usada como embromação pelo jornalismo vendido da grande mídia. A PEC da Morte prevê um congelamento geral dos orçamentos públicos por 20 anos, como meio complementar de fazer o ajuste fiscal. O efeito disso sobre serviços públicos como educação, saúde e também previdência tem sido enfatizado por críticos do Brasil inteiro. Entretanto, há um aspecto que não é muito bem identificado: o efeito sobre a economia privada vinculada ao setor público.

O congelamento, como prevê a PEC, de investimentos em construção civil implica o congelamento automático dos investimentos em cimento, asfalto, vergalhões, aço, móveis, terraplenagem, outros materiais de construção. Para cada setor atingido serão feitos milhares de desempregados, e a conseqüência final seria o desabamento do PIB sobre uma situação já depressiva, já que tivemos contração de 3,8% no ano passado, outra contração de cerca de 4% este ano e ainda contração da ordem de 3 a 4% no próximo ano.

Com essa política, claro, a Previdência em bases correntes quebra. Contudo, quebra antes o Estado inteiro, quebra toda a sociedade, quebram os estados federados. Só não quebram os amigos banqueiros de Henrique Meirelles, que provavelmente o premiarão com grandes honrarias por liquidar com as perspectivas do Brasil. Contudo, obviamente que isso não acontecerá verdadeiramente. Antes entraremos numa convulsão social que, se houver divisão militar, nos levará a uma guerra civil. Do contrário, pararemos numa ditadura.

Há saída? Claro. É a saída do New Deal americano dos anos 30. Ou do Novo Plano alemão na mesma década. Ou a política que o Governo brasileiro adotou em 2009 e 2010, levando a um crescimento formidável neste último ano, de 7,5%. Em uma palavra, o de que precisamos é de investimentos deficitários, isto é, gastos acima das receitas, num primeiro momento, para forçar o aumento da receita acima dos gastos, num segundo.

A pedido do senador Roberto Requião, esbocei, junto com o economista Luís Gonzaga Belluzzo, as linhas gerais do que poderia vir a ser o New Deal brasileiro caso o governo mude de direção e desista da PEC-55 e da reforma previdenciária. Está disponível para uso das forças políticas interessadas em debelar a crise. Mas quem pagará o déficit?, perguntarão. Ninguém. A economia em crescimento precisa de emissão monetária adicional, e essa moeda, caso não seja apropriada pelos bancos, pode sê-lo pelo Estado em crescimento, sem riscos de inflação, já que se parte de uma situação de baixa demanda. Portanto, saída existe!

 

(Texto originalmente publicado em Movimento Brasil Agora –  J. Carlos de Assis, economista, doutor em engenharia)

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