Eu! Heim! por Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Estávamos em meados da primeira década deste século.

Discutíamos, numa das aulas da disciplina Ensino da Língua Portuguesa, do Curso de Especialização em Linguística e Ensino do Português – CELEP, da Universidade Federal do Ceará – UFC, sobre os efeitos, imediatos ou não, da “internetização” de processos de comunicação humana.

Íamos desde as questões relacionadas à variação linguística denominada de “internetês”, com seus “rsrsrs”, “vc”, “tb”, “abs”, “bjs” e um amplo e peculiar conjunto de recursos gráficos que emprestavam uma roupagem específica a esse criativo processo de manifestação linguística, com ambientação ainda restrita – diga-se a bem da verdade –, até à rapidez e à amplitude com que as mensagens circulavam no frenético mundo da internet.

E notem, pacientes leitoras(es), que, à época, os internautas dispunham basicamente de um sítio de relacionamento, com suas “comunidades” de interação – o Orkut (homenagem ao seu fundador) –, e de uma rede social e servidor para microblogging, ainda nas fraldas, com suas micromensagens – o Twitter (“pio de passarinhos”) –, os quais – sítio e rede – certamente contribuíram para o surgimento de múltiplas outras ferramentas midiáticas, bem mais avançadas e mais generosas no compartilhamento, ora compondo um amplo e multifacetado complexo de comunicação humana, universalmente conhecido como “redes ou mídias sociais”.

O olhar crítico para esse universo em assustadora expansão revelou-nos, já àquela época, fatos interessantes, racionais, curiosos, exóticos, pitorescos, pirotécnicos, abusivos, ilógicos – para não dizer irracionais –, com os internautas pendulando, sem critérios definidos e claros, entre o responsável e o irresponsável.

Era apenas um olhar academicista… nada de “chicote divino a expulsar os vendilhões do templo”.

A mestra, uma senhora respeitabilíssima, não só pelos títulos acadêmicos que detinha, todos revestidos de inquestionável meritocracia, comentou, naturalmente, já haver recebido mensagens eletrônicas, das mais variadas origens, oferecendo um tratamento infalível para – imaginem vocês! – o aumento “espetacular” e garantido, sob todos os aspectos, incluindo o da devolução do quantum investido, do órgão genital masculino… “Isso mesmo: do velho pênis…” – ela fez questão de realçar, arrematando, com mais naturalidade ainda: “Amigos, confesso que fiquei intrigada com a ideia – absurda e preocupante – de ver brotar e crescer no meu corpo cinquentão algo impossível de ajustar-se à minha compleição física e psíquica”.

Pois é.

E olha que essa confissão decorreu do simples fato de eu haver dito que comumente recebia mensagens do gênero, advindas de bancos com os quais nunca mantivera qualquer tipo de relacionamento. [Recentemente, uma delas me proporcionou momentos de grave preocupação, ante a invasão da conta bancária, de minha titularidade, por crackers* que conseguiram sobrepor uma “página falsa” – um “chupacabra” virtual, de uma perfeição intrigante –, à de acesso legítimo ao ambiente em que conduzia minha simplória vida financeira; a pronta ação da área de segurança tecnológica da instituição financeira reverteu o quadro, permitindo-me até reaver os recursos então desviados através da função “crédito” do respectivo cartão de acesso.].

Você, caro(a) leitor(a), deve estar querendo saber o porquê deste registro. Dou-lhe razão. Falar dessas coisas tem de ter um motivo. No caso, para satisfazê-lo(a), declino-o.

Surpreendeu-me, um dia desses, o conteúdo da minha caixa eletrônica: nada mais, nada menos que seis e-mails, de fontes diferentes, sob a seguinte titulação: DESPERTE DESEJOS IRRESISTÍVEIS EM QUALQUER HOMEM.

O quê!!! Logo eu que, embora respeite toda e qualquer opção – seja religiosa, partidária, futebolística, sexual, etc., etc. –, tenho na MULHER a outra parte perfeita do meu ser, a que se me ajusta como uma luva (ou como diz a música de um inveterado e romântico conquistador: a outra metade da laranja; ou ainda conforme o Rei: se sou o convexo, ajusta-se-me o côncavo)! E, se esta é a minha opção – e é! –, exijo que a respeitem.

Apesar da reação negativa (e põe “negativa” nisso!), ainda tive a curiosidade de ler o que se seguia àquela inconsequente proposta.

“Já ouviu falar em feronômios? E sobre sedução pelo cheiro? O que você faria se pudesse seduzir alguém somente pelo cheiro?”.

Como é possível perceber, a proposta era, a rigor, ambivalente. Menos mal. Que alívio!

O que me tirou do sério, na verdade, foi o descuido dos remetentes da mensagem quanto à sexualidade do destinatário.

Eu, hein!!!

* Crackers – pessoas que utilizam o amplo conhecimento de informática que detêm, com o propósito de burlar a segurança e descobrir senhas de acesso e códigos de programas, visando a práticas criminosas; diferem dos hackers na ilicitude/licitude dos propósitos.

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.

Mais do autor

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.