“Eu estava apto a redigir discursos para qualquer circunstância… […] Naquelas horas, ver minhas obras assinadas por estranhos me dava um prazer nervoso… não era o sujeito quem se apossava de minha escrita, era como se eu escrevesse no caderno dele.” (Chico Buarque, em BUDAPESTE – São Paulo: Companhia das Letras, 2003 – págs. 17-18).
Saudação
Eu, Aécio, político, não por vontade ou desiderato ou desígnio de uma respeitável plêiade de togados, mas por vocação e herança sanguínea de Tancredo, de quem todos vós haveis de reconhecer a hombridade na luta em defesa dos direitos do seu povo, a honestidade de propósitos e de atitudes e o tirocínio e a coragem nas decisões de relevância para a pátria amada e idolatrada, por quem jamais se acovardou, se amesquinhou, incluindo a doação da própria vida em martírio “diverticulítico”² que sensibilizou toda a Nação brasileira, qualidades essas, sabeis todos vós, com que venho, há mais de três décadas, pautando a minha atuação como homem público e orientando o meu desempenho em significativas funções legislativas – senador – ou executivas – governador, ora dirijo-me a todos vós, diletantes parceiros no encaminhamento diuturno dos projetos de interesse dos cidadãos que nos confiaram a sua representatividade nesta esfera do poder, rogando-vos a especial atenção de que sempre me fiz merecedor.
Autoridade e missão
Parceiros. Mais de sete milhões de votos dos mineiros de boa vontade me mantêm no cargo de senador da República. E isso muito me honra. E isso me confere um conceito que muito me orgulha, mas que, certamente, causa incômodos – para não dizer inveja – em quem nunca se submeteu ao crucial batismo das urnas. Mais de cinquenta e um milhões de votos de brasileiros de boa vontade significaram, pelo menos para mim, a manifestação inequívoca do seu irrestrito apoio ao plano de governo em que assentei a minha candidatura ao mais elevado cargo republicano: a presidência. Nada de frustração. Nada de esmorecimento. Jamais me abati. A vida seguiu e segue.
Parceiros. Ao ungir-nos como seus lídimos representantes, em processo essencialmente democrático, isento de influências e intervenções de toda e qualquer ordem, respeitada a vontade popular, instaurou-se entre nós, os políticos legitimamente eleitos e o povo soberano em sua cidadania, uma relação de extrema confiança que não pode, pela ação ilegítima e açodada de terceiros, no rigor dos vetustos tribunais ou nas malandrices de “empresários inescrupulosos que não se constrangem em acusar pessoas de bem”, ser afetada, inibida e muito menos cerceada. Temos, todos nós, uma missão pública a cumprir, em conformidade com os cristalinos e vigorantes preceitos constitucionais. E certo, e vós todos haveis de concordar, é que nos debruçamos diuturnamente sobre as nossas obrigações democráticas, atuando com denodo, honradez e transparência, embora nos afrontem adversidades múltiplas e, o que é pior, adversários voluntariosos e recalcitrantes. O que importa, nesta hora, é não titubear, não fraquejar, é seguir em frente, sempre!
Parceiros. Indignação causa-nos a exacerbada valorização dada a conversas telefônicas, em que naturalmente o linguajar adquire contornos coloquiais, na exata medida da intimidade que preside o relacionamento dos interlocutores, desprovido, pois, de maiores zelos, de maiores cuidados. Indignação causa-nos a afronta ao direito do cidadão de conduzir seus próprios negócios – venda de imóvel ou empréstimo pessoal, por exemplo. Indignação causa-nos a construção – por agentes públicos! – de tramas ardilosas, oblíquas, que visam tão somente denegrir a imagem de um homem público, probo e cônscio de suas obrigações republicanas e das responsabilidades próprias do cargo cujo exercício resulta da confiança do povo. Indignação causa-nos a imposição de sanção sem que se tenha instaurado o devido processo legal, negando-se ao injustiçado, por extensão, o inalienável direito de defesa. Indignação maior causa-nos o fato de tudo isso ocorrer em ambientes onde a Justiça devia sempre prevalecer.
Parceiros. Em vossos serenos e justos juízos, deposito o futuro de minha mirífica trajetória política, edificada em “mandatos eletivos cumpridos de forma dedicada e honrada, em nome dos mineiros”. Cinge-se este pleito à preservação de meu mandato, “legítima e democraticamente conquistado”, e, por extensão, ao reconhecimento do insuprimível direito de defesa.
Alfim, se se promove, a olhos nus, a politização da Justiça, com ministros vestindo togas políticas, admissível será a judicialização da Política, com congressistas sobrepondo à função de legislar a de julgar, sem olvidar, até por uma grave questão de respeito – que merecemos! –, que ora nos impõe propugnar pela desqualificação da criminalização do agir político.
Palavras de um santo homem,
circunstancialmente investido no papel de senador,
em face da declarada vontade do seu povo,
e ora vítima de perseguição injuriosa e difamatória.
Post scriptum: Em verdade, em verdade vos digo, afáveis leitoras e leitores: 1. Eis um extraordinário exercício de pós-verdade. 2. Elogio em boca própria é vitupério, é falta grave. 3. Se a mentira faz parte da natureza humana; o secular “jeitinho” faz parte da natureza do brasileiro. (Expressões não minhas, cujas autorias não consigo recuperar). 4. “O primeiro castigo do culpado está em não poder absolver-se a seus próprios olhos.” (Juvenal³).
¹ Camaraltense: neologismo que pretende significar “membro da câmara alta ou câmara superior, muitas vezes chamada de Senado”. Refere-se, pois, aos integrantes de uma das instituições legisladoras de nosso sistema bicameral, cuja contraparte é a câmara baixa ou Câmara dos Deputados.
² Diverticulítico: neologismo derivado de “diverticulite” – inflamação dos divertículos ou “abaulamentos da parede do intestino grosso” –, mal que acabou vitimando o mineiro Tancredo (de Almeida) Neves, às vésperas da posse no cargo de presidente da República, eleito que fora pela via indireta (Congresso Nacional/janeiro de 1985). Assumiu, então, o maranhense José (Ribamar) Sarney, o imortal filho de dona Queola.
³ Décimo Júnio Juvenal, poeta satírico romano nascido em Aquino, Apúlia, que deixou em seus poemas uma imagem crítica e mordaz da sociedade romana do século I.