A eleição de 2016 revela os dilemas da democracia brasileira, por Josênio Parente

A eleição de 2006 aconteceu no meio de uma crise política e econômica. Uma alternância no poder forçada veio a agravar a crise política. Uma rebelião no Congresso contra a presidenta da República, liderada pelo Deputado Eduardo Cunha, do PMDB carioca, que arregimentou setores conservadores e recebeu o apoio dos partidos derrotados na eleição de 2014, PSDB e DEM. Novos atores entram no jogo, como setores da FIESP e da imprensa, com a colaboração do judiciário. A “Lava Jato”, uma operação que busca combater dinheiro ilegal de financiamento de campanha, atingiu diretamente Lula e o PT, recebendo crítica de imparcialidade pelos setores afetados. A conjuntura, portanto, é rica e o espaço aqui não permite aprofundá-la. Vamos nos deter nos principais impactos das eleições municipais de 2016, soberbamente analisado com vista ao cenário de 2018, a nova correlação das forças política e o empecilho para a governabilidade e a democracia brasileira.

O PMDB, partido que liderou o caminho alternativo para a alternância de poder político, não ganhou nas principais colégios eleitorais, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, além do Rio Grande do Sul, e permaneceu no seu potencial papel de  partido da governabilidade para o próximo governo eleito. A estrutura partidária que começava a se consolidar desde a redemocratização não foi afetada ainda com a operação “Lava Jato”.

PSDB e PT, os partidos que lideraram a face de nossa redemocratização, tiveram resultados contraditórios, isso  mostra que o objetivo da alternância de poder programado foi alcançado: o PT recuou, embora ele ainda continue competitivo, e o PSDB cresceu e se credenciou para ser o partido que dará o toque de nossa modernidade nos próximos anos, e recuperou espaços de 2004. A disputa federativa dos partidos continua a ter a liderança de São Paulo, com PSDB e PT, enquanto o PMDB continuará como o partido federativo por excelência, com grande presença no Nordeste.

A luta interna no PSDB continuará a ser entre São Paulo e Minas Gerais. A vitória do prefeito de São Paulo logo no primeiro turno, candidato indicado pelo governador, Geraldo Alkmin, o fortaleceu internamente embora o candidato vencedor, João Dória, tenha se colocado como o anti-político e não como representante do partido. O fortalecimento de Alkmin, contudo, se deve mais à consequente derrota do Aécio Neves em Minhas Gerais, seu seu principal concorrente ao controle no partido no plano nacional.

Duas outras novidades, mais significativas, são reveladas do resultado eleitoral. A primeira é o crescimento de uma direita conservadora, ligada sobretudo aos esforços das Igrejas pentecostais e evangélicas que estavam alheias ao projeto de Brasil nestes últimos anos. Essa novidade corresponde ao que a Igreja Católica fez, no início da República brasileira, para recuperar espaços de poder perdidos com a proclamação da República, em 1889, quando, influenciado pelo positivismo, assistiu-se à oficialização do Estado Laico no Brasil. Os efeitos desse esforço de recuperação de espaços de poder só se fez sentir com a Revolução de 1930, especificamente com a Constituinte de 1933, quando foi oficializado o ensino religioso e incorporado outras reivindicações da Igreja no Constituição. A atual vitória do candidato do PRB para prefeitura do Rio de Janeiro, com Marcelo Crivela, ligado à Igreja Universal do Reino de Deuus, tem esta dinâmica. Não é uma vitória acidental, mas fruto de um projeto ligado às causas conservadores e ao esforço político dos evangélicos na conquista de poder e de de suas causas.

O Brasil tradicional comaça a dar lugar ao Brasil moderno, com uma nova cidadania fruto de esforços de participação efetiva da organização da sociedade civil que busca a política pelos partidos políticos. São elementos que nos dá esperança de que a representação política será a saída para a democracia delegativa, tradição no Brasil.

Contraditoriamente, a segunda novidade anunciada acima segue na direção oposta. Como trinta anos de redemocratização, os empecilhos da consolidação para que os partidos políticos se consolidem começam a surgir, como a abolição do financiamento empresarial temporariamente proibido. Acreditamos que os partidos terão que conquistar o eleitor, fidelizando-o e construindo o caminha da governabilidade, a substituição da negociação apenas de cargos e mesmo dinheiro para com políticas sociais.

Aécio Neves, fugindo do debate sobre questões da correlação de forças dentro do PSDB, fez uma excelente análise para o jornal Folha de São Paulo, no dia seguinte à derrota do prefeito do PSDB em Minas, destacando que a eleição revelou uma questão mais substantiva e estruturante que seria a crise de representação política da sociedade brasileira a partir dos votos brancos, nulos e as abstenções. Destaca que estes votos precisam ser entendidos “para que possamos acelerar o esforço para conquista a confiança do eleitor”. Esse, realmente, é o ponto frágil de nossa consolidação democrática. Nestas três décadas que caracteriza nosso processo de redemocratização, não conseguimos  resolver o dilema da governabilidade pela via dos partidos políticos representativos e legitimar a alternância de poder, elementos decisivos para uma democracia representativa. Os votos branco, nulos e as abstenções condenam o caminho que a democracia trilhou até aqui.

A eleição de 2016, portanto, revelou que a crise política e econômica frutos de forte disputa pelo poder por grupos ideológicos fizeram surgir uma cidadania cada vez mais ciente de que o caminho da participação passa necessariamente pelos partidos políticos embora esse não tenha sido o caminho tradicional, mas a negociação pelas elites. As mobilizações fortaleceram a soberania popular e os partidos estão abertos para receber esses impulsos. Na democracia é o caminho mais importante para evitar conspirações. Chegaremos lá!

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.