Eleição 2016: partidos políticos e ética liberal, por Josênio Parente

Tema recorrente nessa fase de nossa consolidação democrática, o resultado das eleições também traz lições sobre o sistema partidário e a construção de uma ética liberal. Desde a onda de “rouba, mas faz”, os “Anões do Orçamento”, passando pelo “Mensalão” e o “Lava Jato”, o povo foi entendendo o que significa corrupção na política brasileira. Não é questão de algum partido político, mas do sistema político brasileiro que, ao conservar o personalismo numa democracia que teima em se tornar delegativa, não aprofundando a representação política via partidos. A governabilidade requer uma estrutura para fidelizar o Congresso, não por meios diversos aos compromissos dos partidos políticos. O recado das urnas mostra a decepção com os partidos e com o sistema de coalizão que não se faz com os partidos, mas diretamente com os parlamentares.

Quanto ao resultado eleitoral, numericamente, o PT perde, temporariamente ou não, a hegemonia na esquerda e o PSOL começa a ver que terá grandes responsabilidades no novo quadro. Mas o PT não sai da cena política, e continua competitivo, como já aconteceu com outros partidos. O PSDB é o grande vencedor, pois sai como partido que dará as cartas novamente na política brasileira. A fragilidade é o conflito interno, já que não tem uma liderança que catalise, como fez o Lula com o PT durante anos.  Qual PSDB sairá fortalecido, é a questão. Aparece o nome de Geraldo Alckmin por ter articulado a candidatura do desconhecido na política e vencedor das eleições logo no primeiro turno, João Dória.

O PMDB não aparece nas eleições do segundo turno do Rio de Janeiro e São Paulo, loci de onde surgiram Eduardo Cunha e Temer, os líderes do projeto de homogeneizar o Partido para o enfrentamento com fins de chegar ao poder. Nem em Minas Gerais, o terceiro que, junto a São Paulo e Rio de Janeiro, formam os maiores colégios eleitorais. A adesão do PSDB à essa estratégia arriscada foi apenas visando uma alternância de poder e, na medida que saiu vitoriosa, consolida-se como o partido anti PT, o que indicará que a política continuará sendo liderado por São Paulo, o berço dos dois partidos que lideraram a imagem do Brasil após a redemocratização: do PSDB e do PT.

Não surgiram grupos políticos hegemônicos exatamente por ter sido uma crise de governabilidade a partir do sistema político. Nem Marina, nem outras lideranças emergentes tiveram importância no resultado eleitoral. A conjuntura que armou esse cenário passou pela crise econômica e a social para chegar à política. As entranhas de nosso sistema político foram apresentadas de forma explícita pelos meios de comunicação mostrando falhas necessárias para ajustes inadiáveis. João Dória, o candidato vencedor em São Paulo, se apresentou como não político e apenas gestor e empresário bem sucedido. Não precisaria do salário de prefeito. Ele se apresentou como o tipo puro para o momento em que a política estava desacreditada. Foi, pois, diferente do Pitta e do Haddad, considerados “postes” de Maluf e de Lula. Postes, respectivamente, pois foram eleitos no auge da popularidade de seus padrinhos. Não está, pois, resolvido se Alckmin se beneficiará desse momento para ser o candidato a Presidente da República pelo PSDB, embora seja o mais forte fato impulsionador entres os pretendentes.

A defasagem, o não casamento da política com a sociedade, é fonte de crises. Os Partidos políticos não se apresentavam como os grandes mediadores entre o povo e o poder. Mas o sistema tem lentamente reagido. Destacamos a lei de responsabilidade fiscal e, por último, a proibição do financiamento empresarial nas campanhas eleitorais. Essa eleição testou e considero que, apesar de ainda o caixa 2 poder ter aparecido e o “crime organizado” ter aparecido, foi positiva a experiência por forçar os partidos a serem coerentes com programas para fidelizarem o eleitor. Os Partidos Políticos foram resistentes à mudança, pois os parlamentares sempre buscavam permanecer nessa zona de conforto que o financiamento empresarial propiciava.

Vivemos um momento de inflexão. Mas não se pode, a cada início de partida, mudar as regras do jogo. É preciso deixar maturar e as pessoas interiorizarem as regras para que a ética se estabeleça. Não é uma reforma política que restabelecerá a ética. Reformas políticas podem até fortalecer o tradicional, dificultar o surgimento de novas lideranças. Mas a governabilidade necessita de partidos políticos comprometidos com a sociedade, com a sua diversidade. E essa eleição acendeu o sinal amarelo para esse ponto. A alternância de poder necessita ser tal que não engesse o processo e setores da sociedade necessitem de caminhos alternativos às regras do jogo democrático jogado.

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.