Ele, por Luciano Moreira (Xykolu)

E quem é ele?

Eu não sei. A rigor, ninguém sabe.

Todos admitimos quão difícil é dar-lhe uma identidade plena, absoluta, definitiva. Desconhecemos seu endereço, com quem vive e o que faz. Sabemos apenas que ele existe. Convictos estamos de que mora em algum ponto de uma centenária cidade do interior.

E o que os leva a essa convicção?

Em períodos de lua minguante ou crescente, é comum vê-lo, numa arborizada praça de bancos de madeira, jardins bem cuidados e coreto à moda antiga, conversando com uma dezena de bons velhinhos que já não mais se cotizam para pagar detetives não-profissionais, contratados para seguir-lhe os passos e desvendar os mistérios que envolvem tão enigmática criatura. Ele sempre conseguiu driblar a atenção de todos, através de inexplicáveis metamorfoses que o transfiguram. E o procurado desaparece em meio aos transeuntes, sem deixar rastros, sob o olhar incrédulo de quem o persegue.

Coligidos alguns dados a seu respeito, basicamente extraídos de suas conversas na praça, podemos até traçar-lhe um perfil. Não autorizado, é óbvio.

Ele já dobrou o cabo das tormentas e agora vive a fase da tranquilidade, da paciência e da sabedoria. É aposentado e padece dos mesmos problemas financeiros que seus pares; sem falar nos de relacionamento e nos de saúde. Demonstra ter invejável senso crítico e amplo conhecimento de mundo; as experiências que narra isso revelam. Atual, conhece, como poucos, o cenário socioeconômico em que vive; e solitário, certamente não divide o teto com quem quer que seja. É um leitor contumaz e navega, com destreza e precisão, por águas procelosas ou remansosas em que efervesce ou repousa a literatura de quem a produz in extremis. Não é adepto das modernosas parafernálias eletrônicas, embora compreenda que a evolução humana teria de avançar nesse caminho. Não se revela avarento, nem perdulário. Não se mostra rabugento, nem intransigente. Embora, o que mais chame a atenção de quem com ele mantém contato seja a figadal aversão que nutre em relação aos políticos. Todos eles: eleitos ou enganados. Chegou a confessar que, com a introdução da urna eletrônica no sistema de votação, logo aprendeu a anular o voto e, assim, evitar, ao ver a foto de algum candidato, reações que poderiam levá-lo à cadeia – por atos que desabonassem sua conduta cidadã – ou ao hospício – por atos próprios de quem sofre algum tipo de debilidade mental.

Os coleguinhas da praça chamam-no de Velhinho de Baturité, certamente numa alusão enviesada à Velhinha de Taubaté, personagem criada por Luís Fernando Veríssimo e por ele considerada “a última pessoa no Brasil que acreditava no governo”, o que a tornava merecedora do respeito de todos os detentores de poder público, ou seja, de quem temia contrariá-la e, assim, correr o risco de ser por ela execrado.

Há, entre a VT e o VB, um claro antagonismo. Crer ou não crer, eis a questão.

É forçoso revelar, enfim, que há atuações do VB no teatro da cidadania que o aproximam da Salomé de Passo Fundo, personagem que, criada e vivenciada pelo humorista cearense Chico Anísio, usufruía do prestígio de uma linha telefônica direta com a presidência da República, com quem mantinha contatos periódicos, por meio dos quais aconselhava, advertia, repreendia e até dava puxões de orelha no então ocupante do cargo, o general João Batista Figueiredo, aquele que dizia preferir o cheiro do seu cavalo ao do povo. Esqueçamo-lo!

Quem é ele?!

Ele é, ex positis, o Velhinho de Baturité.

Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.

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Francisco Luciano Gonçalves Moreira (Xykolu)

Graduado em Letras, ex-professor, servidor público federal aposentado.