Ninguém quer começar um ano novo com notícias tristes. Eu mesmo não queria começar 2018 com um texto assim. Mas na bonita tarde desta segunda-feira (15/01) me surpreendo com uma pauta sórdida e inesperada: o choque da triste e irreparável perda de Dolores O’Riordan, uma das vozes mais lindas que já passaram por esta vida.
Seu sucesso à frente da banda de rock/pop irlandesa The Cranberries é fenomenal. O grupo estourou na década de 1990 com o grande hit radiofônico “Linger”, uma balada que ganhou as rádios e trilhas de novelas no Brasil. Na banda, a voz suave e quente da vocalista contrastava com o rock eletrizante de Noel Hogan (guitarra), Mike Hogan (baixo) e Fergal Lawler (bateria). O talento de Dolores logo catapultou o quarteto irlandês à fama através de uma discografia que cantou o amor, a guerra (muitas são as canções da banda que criticam os conflitos extremistas da época, em especial sobre o Exército Republicano Irlandês – IRA), o preço da fama e o valor da vida. Hits inesquecíveis fizeram a vida de muita gente desde as pesadíssimas Zombie e Promises até a doçura lírica de Dreams e You And Me.
Até hoje, a banda já vendeu mais de 40 milhões de discos e a vocalista, em sua carreira solo, deixa dois registros: Are You Listening? e No Baggage. No ano passado, a banda lançou Something Else, uma coletânea com inéditas (incluindo a belíssima The Glory) e versões acústicas de seus maiores sucessos. Numa bela homenagem aos primórdios da banda, a capa do trabalho faz referência à clássica “foto do sofá” do primeiro disco.
Descobri a banda nos idos de meus 14/15 anos de idade, quando recebi em casa o álbum Bury The Hatchet (1999) através de uma assinatura de CD’s que tínhamos na época ainda em casa. A princípio, julguei o álbum pela capa e o deixei encostado na estante. Meses depois, quando soube quem eram The Cranberries, botei pra tocar e recebi a primeira porrada ao descobrir a voz de Dolores logo na primeira faixa, Animal Instinct. Dali pra frente, me percebi na primeira vez no papel de fã: colecionei os discos (tenho até hoje), baixei shows e MP3’s raras numa época em que a internet ainda era discada, gravei especiais de TV em fita VHS – ainda guardo com muito carinho um belíssimo show da banda onde Dolores canta grávida de seu segundo filho!
A música que Dolores nos deixa é atemporal. Sua atitude também: a importância de sua figura – forte e independente – para as frontwomen do rock e do pop mundial, bem como seu papel nas questões políticas da Irlanda são inegáveis. Sua voz, embebida de uma doçura e rouquidão (mas carregada de agressividade e lamento, por vezes) também marcou época e ficou gravada para sempre nos corações de seus fãs. E foi com muita felicidade que pude sentir essa força musical e sentimental no show (inesperado!) que a banda fez aqui em Fortaleza em outubro de 2010, no extinto Siará Hall.
Naquela linda noite, toda a plateia estava com balões vermelhos nas mãos, atirando-os ao palco. Gosto de acreditar que estes balões eram nossos próprios corações sendo entregues ali mesmo, de bandeja e sem vergonha nenhuma. Cheios de gratidão por estar vendo um espetáculo tão especial e inesquecível ao som de uma das vozes mais inacreditavelmente belas que o mundo já ouviu.
E por aqui, quando não se cabem mais palavras, é melhor deixar que a música fale.
Vá em paz, Dolores. E muito obrigado!
“The stars are bright tonight
A distance is between us”