Desafios ao bom-senso-uníssono-ensurdecedor, por Thinally Ribeiro

Quando digo que não gosto de ir ao cinema, recebo olhares que misturam espanto, reprovação e pena. Eu mesmo devo ter misturado esses três ingredientes quando li que o poeta João Cabral de Melo Neto não gostava de música. Ou quando ouvi Maria Bethânia dizer que não gosta do pôr do sol (segundo ela, é uma hora “nem barro nem tijolo”).

Mais do que questões de gosto pessoal, me interessa o caráter provocador dessas declarações. São pequenos desafios ao bom-senso-uníssono-ensurdecedor. Valorizo cada vez mais os pensamentos minoritários, quase idiossincráticos. É preciso preservá-los da patrola e da patrulha. São como as notas dissonantes que embelezam tantos acordes. Não podem silenciar.

É mais fácil pregar para os convertidos. Mas, faz sentido? Nah! Temos é que aprender a conviver! Sem represas, sem apartheid. Sem vidas secas, nem olhos úmidos.

Quando entramos em contato pela primeira vez com uma banda, uma pessoa ou uma canção é natural que nos perguntemos com que outra ela se parece. Pensamos por analogia. Precisamos catalogar a informação, para isso usamos atalhos.

Tudo bem, se for só a reação inicial. O perigo é ficarmos para sempre nos resumos e simplificações. Pior ainda se, para sermos mais rapidamente entendidos, cedermos à tentação de abreviar, catalogar e traduzir nossas próprias atitudes.

Segundo a tese tecnicista, tudo que pode ser quantificado pode ser comparado e aprimorado. O raciocínio pode servir para uma fábrica de parafusos, mas será que faz sentido para qualificar vinhos, restaurantes ou perfumes?

Quando as mais importantes revistas especializadas começaram a dar notas numéricas (números com vírgula!) aos vinhos, a excitação do mercado foi evidente. Uma ferramenta para medir objetivamente o que é subjetivo. Quem realmente entende do assunto despreza esses rankings. Mas, para o mercado, funciona. E muito. Parece que as pessoas não estão interessadas nas sutilezas do vinho ou no prazer do jantar. Elas querem dizer que tomaram O MELHOR vinho e jantaram n’O MELHOR restaurante.

Existe o melhor beijo? Até pode existir, mas só na opinião de, no máximo, duas pessoas. O melhor beijo jamais será hegemônico.

(Trecho do livro Nas entrelinhas do horizonte de Humberto Gessinger; Belas Letras, 2012)

Thinally Ribeiro

Graduanda em Serviço Social na UECE.

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Graduanda em Serviço Social na UECE.