Cinema Novo: o cinema como ato de celebração, por Daniel Araújo

O cinema brasileiro é, e sempre foi, um ato de celebração. Desde os nossos primeiros filmes de paisagens ainda no século XIX, passando pelo período das grandes produtoras, como a Vera Cruz, e desaguando na cinematografia moderna e contemporânea dos anos 1960 aos dias atuais, nossa veia de contar estórias através de imagens assumiu distintas formas. Dessa miscelânea é que surgem filmes-ducumentos como o imprescindível Cinema Novo* (2016).

Em seu sétimo longa-metragem, o realizador Eryk Rocha nos traz um panorama do movimento cinematográfico brasileiro que ficou conhecido como Cinema Novo. O documentário revisita não apenas a corrente em si, mas também o período histórico em que ela esteve inserida e como seus autores e idealizadores pensaram o País através de uma estética artístico-política.

Apesar de o documentário como gênero suscitar um peso em função dos códigos que lhe são específicos, o longa de Rocha se distingue por apostar numa proposta alternada de realização. No lugar dos depoimentos de figuras da atual cena artística e da crítica, o filme se aloca numa estória que é contada pelos próprios personagens do que foi o cinema “novismo”. Mas quem são esses personagens?

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No lugar dos depoimentos de figuras da atual cena artística , o filme se aloca numa estória contada pelos próprios personagens do Cinema Novo. Acima cena de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.

Para a direção, ela dividiu-se em dois campos. Um, ligado à realização. E outro, ao desenho do Brasil enquanto nação que se esquadrinhava no início dos anos 1960. Começando pelo quadro realizador, é latente a percepção de que todo o movimento nasceu do desejo de um grupo de diretores que, juntos, tomaram suas referências para implementar uma nova estética cinematográfica, que vinha na sequência da insustentável política dos estúdios dos anos 1950 do Brasil.

Assim, temos durante seus 90 minutos de metragem, uma impecável junção de depoimentos de realizadores como Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha e Leon Hirszman, entre tantos outros. E uma montagem que vai sendo costurada quase que por ela mesma através das falas de seus depoentes e do riquíssimo acervo de que Eryk dispôs para a realização do longa-metragem.

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A montagem do filme vai sendo costurada brilhantemente através do rico material de que dispôs Eryck Rocha. Acima, cena de Macunaína de Joaquim Pedro de Andrade

E como bem pontuou Jean-Claude Bernadert, é pela forma como a edição se deu que somos fisgados para dentro da estória. Durante a projeção, vamos aos poucos sendo tirados do tempo da sala de cinema, e entramos no tempo do discursos de todos aqueles depoentes, que na verdade são os criadores do que foi o Cinema Novo.

Em grupo, é inegável a relevância e genialidade que instigou tantos cineastas e artistas entre músicos e literatos, numa intelectualidade que firmou um novo modo de se olhar para nosso fazer audiovisual. Nesse olhar foi que o longa se costurou, na união de uma trilha sonora original que foi acompanhando cada quadro temático do documentário.

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O longa volta constantemente a se pensar esses personagens em correria. Numa corrida que é metáfora da formação de pensamento. Acima a belíssima cena de “Os Herdeiros” de Carlos Diegues.

Passamos pela correria de se pensar em novas saídas para uma cinematografia emergencial, pelo nascimento dessa proposta, pela alegria do canto de um povo e seu recorte, além da violência que ela também descerra, da repressão, do sexo, do amor e da volta à correria. Afinal, sim, nós enquanto artistas ainda estamos correndo num País como o Brasil. E agora mais do que nunca.

Entretanto, nem tudo pode ser celebração ou a percepção unilateral dessas questões. E, nisso, ficou clara a intenção da direção de não tensionar o longa para além dos limites que o filme se lança. É quando percebemos que enquanto movimento histórico sua valia é inestimável, porém, Eryk não quis assumir a ordem de apontar quais os desdobramentos que o Cinema Novo deixou no cinema nacional ou quais tensionamentos a corrente enfrentou ou vem a enfrentar.

O Cinema Marginal é uma dessas questões. E se estamos falando de bases lançadas sobre nossa cinematografia, falar do trabalho de Carlos Reichenbach, Rogério Sganzerla, José Mojica Marins (Zé do Caixão) e tantos outros nomes desses que foram contemporâneos dos nossos “cinemanovistas”, também se torna muito necessário para que possamos seguir pensando e repensando nossas formas de fazer cinema brasileiro de altíssima qualidade.

Esse é o grande ponto em questão.E, seja como realizadores,  críticos ou pensadores do cinema, não podemos temer a tensão do debate e da contradição. Ela é o que nos move enquanto criadores, sempre.

 *Cinema Novo segue em cartaz no Cinema do Dragão e precisa ser visto. Vá ao cinema, assista!

FICHA TÉCNICA

Título Original: Cinema Novo

Tempo de Duração: 90 minutos

Ano de Lançamento (Brasil): 2016

Gênero: Documentário

Direção: Eryk Rocha

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

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Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.