Brasil, um país interrompido, por Osvaldo Euclides

Era a primeira metade dos anos 1980 e, depois de 20 anos de ditadura militar, os brasileiros estavam cansados de tanto esperar que o bolo crescesse para ser dividido, que os serviços públicos melhorassem e que a prosperidade de que jornais, rádios e televisões falavam chegasse a eles. A lista de generais que tomou o poder e o partilhou com civis escolhidos crescia, esticava e só adiava a volta da democracia. O povo se uniu e pediu a saída dos militares, era a campanha “diretas, já”. Milhões de pessoas tomaram as ruas em passeatas e comícios durante meses, reuniram-se em salas, auditórios e qualquer ambiente nos quatro cantos do país e atestaram seu firme desejo de forma a não deixar dúvida.

O Congresso Nacional votou contra a emenda constitucional que restabelecia eleições diretas para presidente. Isso mesmo, os representantes do povo votaram contra o desejo, contra o interesse e contra o poder soberano do povo.

Paliativamente, em eleição indireta, o Congresso Nacional elegeu um dos líderes desse movimento para a presidência da República. A imprensa cuidou de construir em torno dele um consenso. Tancredo Neves foi eleito, mas adoeceu e não tomou posse. Seu discurso entre a eleição e o dia da posse (que não houve) era de que o Brasil mudaria, seria uma “nova república”. Atolado em inflação, recessão e dívida externa, Tancredo disse que não pagaria as dívidas “com a fome do povo”. O vice José Sarney assumiu em 1985. Em 1986 foi à glória com o Plano Cruzado. Em 1987, o país quebrou e declarou moratória.

Em 1990, Fernando Collor, mais votado na primeira eleição direta para presidente depois de 29 anos, toma medidas econômicas radicais que espantam a direita e confundem a esquerda: acaba com títulos ao portador (o maior golpe contra a sonegação em toda a história), sequestra (para devolver corrigidos após 2 anos) poupança, contas correntes e investimentos acima de certo valor, fecha inúmeros órgãos públicos, anuncia privatizações, corta subsídios fiscais e derruba tarifas de importação (choque de competição na indústria nativa). Dois anos depois, foi derrubado com apoio daqueles que foram decisivos para sua eleição.

De 1995 a 2002, inclusive, o Brasil experimenta oito anos de neoliberalismo. Outro Fernando (Henrique Cardoso) se elege com os bons fluidos do sucesso inevitável da quarta experiência heterodoxa de estabilização da moeda feita pelo presidente Itamar Franco (vice de Collor, beneficiado com seu impeachment). O populismo cambial de FHC mantém as aparências de estabilidade e prosperidade. A crise explode pouco mais de um mês depois de sua reeleição em 1998 (sim, ele passou uma emenda constitucional que permitia a reeleição dele mesmo). Com a crise e a humilhação dela decorrente, o Brasil descobre que continua de joelhos, como sempre esteve.

A eleição de Lula, dizia-se, vai implodir o Brasil. Não aconteceu a implosão. Ele acertou no atacado e teve sorte. Além disso, negociou com todos, agradou a todos, beneficiou-se de uma maré econômica internacional favorável e houve conquistas. A inflação ficou na meta, o Brasil pagou ao FMI, acumulou reservas em dólares que lhe garantem soberania, voltou a crescer, encostou no pleno emprego, criou programas (e programinhas) de grande impacto entre os mais pobres, socorreu os miseráveis com uma bolsa (ridícula em valor, mas importante em resultado) e valorizou o salário mínimo, respeitou minorias. Mas, pôs-se vulnerável a práticas tradicionais do processo político (inevitáveis, dizem, com o modelo eleitoral vigente e com a tal da “coalisão”). Resistiu ao “mensalão” e fez a sucessora, que não tinha nem seu carisma, nem sua sensibilidade política.

Dilma governou razoavelmente por 4 anos, reelegeu-se. Depois caiu, foi derrubada, traída, não resistiu, por mais inocente, “republicana” e bem intencionada que pudesse ser. Sofreu impeachment por (sic) pedaladas fiscais.

Mais uma vez temos um Brasil interrompido.

E não são apenas os eventos políticos traumáticos que interrompem a trajetória da nação. Afinal, a política se traduz em condições econômicas. Dinheiro e poder são inseparáveis.

Uma política cambial que dificulta exportações e facilita importações é a regra de quase todos os momentos de todos os governos. Criamos empregos lá fora, destruímos empregos aqui dentro.Desindustrializamos. Financeirizamos. A gestão da taxa de câmbio é um desastre permanente, planejado.

Uma política monetária que torna quaisquer investimentos produtivos uma escolha irracional é outra prática lesiva ao interesse de trabalhadores, de empresários e do próprio Estado. É impossível promover saúde fiscal e desenvolvimento com uma taxa de juros como a que se pratica no Brasil. Esta é outra tragédia que caracteriza todos os governos, uns em grau de devastação, outros em grau de destruição silenciosa, mas acelerada.

O descuido com a qualidade dos serviços públicos é a mais permanente das ações contra os interesses mais legítimos do país e de seus cidadãos. É a falta de respeito nas coisas mais simples. É a hipocrisia unânime. É a humilhação cotidiana.

Por último, mas não menos importante, chegamos ao combate sutil ou violento contra a política. A política é o caminho mais curto e mais legítimo para mudanças. É a forma mais civilizada e mais eficaz de combater erros e injustiças. É a via direta para construir um futuro melhor. Esta via também querem bloquear. .

Se não há saída pela política, vocês podem imaginar o que vem depois.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

Mais do autor

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.