Animais Noturnos: e as ruínas do animal contemporâneo

O cinema se faz uma arte autoral em função de todos os códigos específicos que o encerram. A ideia ao lado do conceito, assim como a aplicabilidade colocada ao lado da técnica, fazem dessa manifestação um fazer iminentemente autêntico. E essa autenticidade muitas vezes pode vir à tona dentro da experiência cinematográfica quando estamos diante do filme, como elemento que tenta se dissociar expansivamente a partir da corrente que lhe expande os sentidos. Dessas considerações é que surgem filmes como o instigante Animais Noturnos (2016).

Susan (Amy Adams) é uma negociante de artes que recebe um manuscrito enviado por seu primeiro marido, Edward (Jake Gylenhaal). O livro acompanha a trágica história de Tony Hastings, um homem que leva a esposa (Isla Fisher) e a filha (Ellie Bamber) em férias, mas que vê ambas serem mortas após um fatídico encontro com uma gangue no deserto norte-americano.

Adaptado do romance de Austin Wright, o longa dirigido por Tom Ford é um trabalho de realização bastante autêntico. Forte, interpretativo e sóbrio, o filme reúne os traços que garantem o “ponto fora da curva” de uma cinematografia contemporânea que se encontra no mainstream, mas que não se intoxica por alguns pontos que despotencializam a produção desse recorte cinematográfico.

A paleta de cores em Animais Noturnos é mais uma prova da técnica como potencializador da obra cinematográfica

Um desses pontos é o descompromisso com o que é aparente. E a aparência é um elemento por demais interessante quando discutimos as condições do cinema contemporâneo. A aparência na sua caracterização primária: a imagem. Por isso, Ford concentra uma atenção e uma beleza tão potentes no prólogo de Animais Noturnos. E ali vemos mulheres que visivelmente estão fora da ditadura da “beleza” pautada pela nossa cultura e que performam a exemplo de modelos das companhias da indústria de beleza como coloca, por fim, a publicidade.

Mas, o que de início surge como um prólogo, sem encadeamento direto com a trama, se revela parte constitutiva da narrativa fílmica. As mulheres são parte dos trabalhos de arte da personagem Susan. Fazem parte, portanto, da diegese fílimica. Mas não apenas para estarem ali. Elas são o conceito materializado em imagem. São Ford, enquanto realizador, dizendo: olhem para isso, enquanto aquilo o que vemos no cinema, na publicidade e em diversas outras mídias não são reais.

E isso nos leva a um outro ponto. O do quanto a aparência ainda é aquilo o que o cinema de mainstream é: aparência. Por isso temos a cada ano “Jennifer Larances” vencendo Oscars num movimento obscuro que impulsiona as engrenagens de outros blockbusters encabeçados por esta e tantas outras atrizes ao redor do mundo. Sim, são os “Jogos Vorazes” da vida. Mas o cinema de Ford está além disso. E por isso mesmo que a densidade é uma das marcas das produções por ele encabeçadas. Foi assim com o tocante Direito de Amar” (2009) e o é no perturbador Animais Noturnos.

E se naquele o drama fora desenhado sob as cores do psicologismo acerca do debate sob a questão de gênero e sexualidade a partir de um recorte histórico, em “Animais” a discussão recai sob o mal estar do contemporâneo nas suas escalas psíquicas e viscerais. Na violência que é sentida na pele e naquela advinda das situações dialéticas às quais não conseguimos resolver por meio das discussões.

É um belíssimo trabalho sob as ruínas do animal contemporâneo. E cinematograficamente falando, parte da certeira concepção que coloca o cinema adaptado como um processo que deve ser feito em consonância com a mídia que o complementa, ou seja, o romance, o livro. A tela e a folha não como elementos destoantes, mas sim complementares. Porque aquilo que o texto traz como informação, a câmera traduz em índice imagético igualmente potencializado. E essa é a gênese do cinema de adaptação.

FICHA TÉCNICA

Título Original: Nocturnal Animals

Tempo de Duração: 117 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 2016

Gênero: Thriller, Drama

Direção:Tom Ford

 

 

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

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Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.