A reforma política está morta, viva a reforma política!

Pode dizer-se, à moda dos anúncios de sucessões monárquicas, que, se a reforma política em tramitação na Câmara dos Deputados está morta, então viva a reforma política! É que, considerando que o passado pode autorizar alguma projeção para o futuro, novos projetos de reforma política já surgirão, realizando uma espécie de “eterno retorno”, de que falava o filósofo Friedrich Nietzsche. Repetir-se-á, muito provavelmente, o que, ainda no Segundo Reinado, José de Alencar já anotava, com ironia, sobre o sistema eleitoral brasileiro: um doente que não tinha repouso, para o qual, esgotados todos os tratamentos, o médico mandava que mudasse de travesseiro. Os resultados do balanço parcial da reforma política em discussão na Câmara dos Deputados podem ser distribuídos em três escaninhos. Foi aprovado o fim da reeleição para cargos no Poder Executivo, as doações de empresas apenas a partidos políticos e a cláusula de barreira. A lista de rejeições compreende as doações privadas só de pessoas físicas, o financiamento exclusivamente público, o voto distrital misto, o voto em lista fechada, o “distritão” e o fim das coligações. Ainda dependem de votação, que deve retornar a partir do dia 10 do mês corrente, a unificação dos pleitos, a fidelidade partidária, a federação partidária, mandatos de cinco anos para todos os cargos, com exceção do de senador, e o fim do voto obrigatório. De qualquer modo e no geral, as manifestações da Câmara dos Deputados, por mais que estejam orientadas pela racionalidade instrumental que, aqui e alhures, norteia as decisões dos políticos, dão uma visão forte, senão do que se quer, pelo menos do que não se quer, em matéria de mudança institucional. Como se viu, no momento mesmo da decisão, os deputados federais e os partidos políticos fugiram da retórica que orienta os seus discursos para o público externo, purgando-se de alguns devaneios ou de alguns desvarios, como, a título de amostragem, o financiamento público exclusivo da política e o “distritão”. Ademais, extraiu-se a lição de que a reforma política poderá realizar-se, caso seja percebida como visando ao futuro e não como mecanismo de aproveitamento imediato por parte de algum ator político em detrimento de outros atores políticos relevantes, tal como seu com a decisão sobre o fim da reeleição Ao ser interrogado sobre a derrota de alguns dos seus pontos de vista, o presidente da Câmara dos Deputados também recorreu a metáfora futebolística, salientando que, como em época de campeonato mundial de futebol, quando cada torcedor faz a própria escalação do seu time, cada um também tem a sua reforma política. Neste diapasão e no melhor modelo rousseauniano, não sendo governante nem legislador, e por isso atrever-se a escrever sobre política, este articulista também possui a sua reforma política mentalmente pronta e acabada. O que lhe permite afirmar que a derrota da reforma política que corre na Câmara dos Deputados seria a vitória da reforma política de que o Brasil precisa. Por fim, convém considerar que, depois de espalhados os males, na caixa de Pandora ainda restou a esperança. Assim é que, talvez, para o bem do povo e felicidade geral da nação, a reforma política da Câmara dos Deputados lá mesmo tenha o seu fim, ou, mais tarde, no Senado Federal. E que o engenho e arte da imaginação política possa engendrar a reforma política que, tendo em vista que o sistema representativo é o fio condutor da vida democrática, tencione mais aperfeiçoar e menos suprimir os lineamentos gerais do estabelecimento político-constitucional, a saber, a república, o presidencialismo, a separação de poderes e o proporcionalismo.

Filomeno Moraes

Cientista Político. Doutor em Direito (USP). Livre-Docente em Ciência Política (UECE). Estágio pós-doutoral pela Universidade de Valência (Espanha). Publicou os livros “Estado, constituição e instituições políticas: aproximações a propósito da reforma política brasileira” (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021) e “A ‘outra’ Independência a partir do Ceará: apontamentos para a história do nascente constitucionalismo brasileiro” (Fortaleza: Edições UFC, 2022), e o e-book “Crônica do processo político-constitucional brasileiro (2018-2022).” (Fortaleza: Edições Inesp, 2022).

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Filomeno Moraes

Cientista Político. Doutor em Direito (USP). Livre-Docente em Ciência Política (UECE). Estágio pós-doutoral pela Universidade de Valência (Espanha). Publicou os livros “Estado, constituição e instituições políticas: aproximações a propósito da reforma política brasileira” (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021) e “A ‘outra’ Independência a partir do Ceará: apontamentos para a história do nascente constitucionalismo brasileiro” (Fortaleza: Edições UFC, 2022), e o e-book “Crônica do processo político-constitucional brasileiro (2018-2022).” (Fortaleza: Edições Inesp, 2022).