A Árvore da Vida: E as vivências completas destinadas à eternidade

Devemos ou não buscar definições para a vida? Questão complexa que atemporalmente nos divide entre certo e errado, essa proposição posta em cena usualmente será um relevante detonador de incontáveis discussões. E foi movido por esse impulso juntamente com um anseio de se testar os limites da narrativa cinematográfica que Terrence Malick nos ofereceu seu inigualável A Árvore da Vida (2011).

O princípio é a forma do filme. E dela foi que o realizador estruturou todo o longa. Porque esse trabalho, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes daquele ano, nos chega por meio do que é potência imagética, sonora e dramatúrgica. Estamos diante de uma tríade fundante. Um esquema calculado frame a frame. Onde um minuto após outro vamos entrando na experiência de fabularmos como seria contarmos a estória do mundo pelos olhos de uma família.

Estamos no Texas (Waco). O ano: 1956. Somos apresentados aos O`Briens. Sr. O`Brien (Brad Pitt), Sra. O`Brien (Jessica Chastain), e os filhos Jack, Steve e R.L, formam o núcleo familiar dessa narrativa. Essas pessoas tentarão sobreviver juntas em meio à pressão e emergência do Sonho Americano. Atravessados por tudo isso, eles estarão, a nosso exemplo, contemplando a incógnita que compreende o viver e a própria vida como construção.

Este foi o olhar que Malick empregou ao trabalho. Porque A Árvore da Vida nos é um filme de metragem. Suas imagens estão completamente atreladas à montagem. Como se cada tomada que o compõe não pudesse estar em outro ponto senão àquele o qual vemos. Elas nos vêm ao tempo que o longa pede. Um prólogo que o subdivide dos 10 aos 20 minutos e dos 19 aos 31 minutos. Tomadas que o rompem para difundi-lo. É o mundo construindo-se pela arte.

Desse ponto em diante, a obra nos abre suas portas. Entendemos que essa mesma montagem e a disposição de todas as suas imagens não estão ali para nos tragar. De modo algum. Malick nos pega pela mão, convidando-nos a dar luz ao seu projeto por meio de sensações que eles nos venha a causar. A música, por isso, nos acompanha desde o início da projeção. Sugestiva, por vezes imperceptível. Altiva e estridente quando a cena exige o acompanhamento de  seu impacto.

Ali é onde Deus vive. Aponta Sra. O`Brien (Chastain) aos céus e sequencialmente a banda sonora também toma voo subindo aos nossos ouvidos. Nos dando a segurança que o som clássico já não é mais ópera, mas a canção irrefreável que completa a unidade dramatúrgico-sonora. E se a ludicidade acopla as sequências mais líricas, é no silêncio e consequente supressão da trilha sonora que o som direto reforça a aspereza da relação cotidiana, seja do chefe da família com os filhos ou do mesmo com sua resignada esposa.

Chegamos na dramaturgia. E nela, A Árvore da Vida se conclui na sua plenitude. Ela está em função da câmera assim como esta também se encontra em função da mesma. Mas essa relação se estabelece por meio de um impacto e não por dependência. E como pássaros sobrevoando um vasto campo sem grades, os atores caminham, correm, dançam e contracenam junto às lentes que os acompanham.

A atuação se torna um gesto de graça. E no jogo de cena que o filme nos dar a ver, as palavras cedem lugar à presença do corpo. Porque é através deste que cada um dos personagens darão voz à obra. Quando a prosódia cederá gentilmente seu lugar à ação que somente o corpo é capaz de entoar. E naquilo o que não é dito ecoa a mensagem em toda sua potência dramatúrgica. A expressão corporal sela um pacto com o maquínico.

Desaguamos na fotografia. A assinatura de Emmanuel Lubezki (Birdman) surge no acompanhamento da proposta de Malick. E a plasticidade da imagem que vemos segue os passos da família O`Brien em cortes umbilicalmente ligados à disposição dos atores nas cenas. Estamos em seu jardim, almoçamos com eles ao dia e jantamos à noite. Mudamos de condição. Não somos voyers observando ao longe. Nos tornamos íntimos dessas figuras. Somos agora um sexto membro desse núcleo familiar. Somos um O`Brien.

Impossível desconsiderarmos o tom espiritual desse filme. Sim, ele fora baseado no Livro de Jó. Mas seu resultado não nos dá um produto panfletário. Porque a marca da partilha de olhar é o que Malick nos sugere. Temos nele um recorte dos desafios da existência.

E apesar de tantas barreiras a transpor, o êxito na experiência em A Árvore da Vida emerge da relevância que os caminhos da graça e da natureza têm sob a condição humana, terrestre. Não pela dicotomia que aparta, mas que nos surge como alternativas de olhar. São vivências completas destinadas, por isso, à eternidade. Lugar onde todos nos encontramos ao fim do filme.

 

FICHA TÉCNICA

Título Original: The Tree of Life

Gênero: Drama, Fantasia

Tempo de duração: 139 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 2011

Direção: Terrence Malick

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

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Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.