A representação do amor é certamente uma das mais complexas maneiras que o cinema encontrou na sua aventura da afirmação. O despojamento no trato das histórias bem como na construção de um grande roteiro e uma peça filmica são os pontos que podem abrilhantar a cinematografia de gênero. Esse brilhantismo foi o que Marc Webb captou para a realização de seu incomparável 500 Dias com Ela (2008).
Depois que Summer (Zooey Deschanel) o deixa, Tom (Joseph Gordon-Levitt) recorda os 500 dias junto da namorada ao mesmo tempo em que busca entender o que não deu certo. Um olhar sincero sobre o que deveria ser uma história de amor é o que o primeiro longa metragem desse realizador americano visa. Na verdade, um antifilme que também se torna uma anticomédia.
E apesar de ser um autor vindo do universo dos videoclipes, Webb não excede os limites que o filmico encerra. Num equilíbrio percebido pelo fato de a obra não ser apenas um apanhado de músicas que ilustram cenas do filme. Elas são incidentais quando necessárias e diegéticas quando a “realidade” do filme pede.
E já que falamos de música, comecemos pelo som. Eterno renegado na cinematografia que carece de profundidade, em “500 Dias” essa vertente é usada simbioticamente em função daquilo que o roteiro propõe da obra. A trilha, por isso, não apenas expõe, mas ela propõe o longa em termos sonoros. Ela não é forçada, já que nosso filme não é musical. E cumpre o relevante papel de conduzi-lo para frente, de lançar nossa história para frente.
Mas como essa condução se efetiva para além da sua perspectiva sonora? As imagens são as respostas. A fotografia de Eric Steelberg se alia à concepção de Webb em concatenar a disposição da câmera com base nas situações que as personagens se inserem. Assim, para os momentos de maior leveza e descontração (como as cenas dos bares), temos usualmente uma filmagem flutuante, solta, à mão. Aos planos mais “sisudos”, a imagem nos vem fixa, num enquadramento preciso.
Tal precisão, no fundo, é a síntese do aspecto inventivo e renovador que o filme traz consigo. Um plano pode ser muito mais que um plano. Pode ser uma maneira nova de olharmos para a construção fílmica. É como pensarmos a sequência em que Tom vai à festa de Sumnmer e lá descobre que a moça está noiva. Expectativa e realidade são demonstradas numa só perspectiva. Separadas por uma tela que se divide em dois quadros. Tudo é concebido de maneira tão criativa que são nesses instantes que nos damos conta da potência contida nas infindáveis possibilidades do cinema de se reinventar e ser uma arte potencialmente inventiva. Nem tudo foi dito ainda.
É essa concepção que nos mostra o quão a direção deteve o controle sobre a realização desenvolvida. Ao entendimento de como a forma deve ser sistêmica, fluida, o sentido do filme vai ao encontro disso tudo. Justamente na ideia do questionamento sobre o próprio universo que o longa aporta. E num estar aparentemente “suicida” de Webb, os conceitos que se elencam pelas personagens passam a ser alvo de questionamentos. Esse é o salto do trabalho.
Estamos diante de uma comédia mas ela não mostra um único ponto de fragilidade estrutural. Ela anseia, na verdade, que assim como Tom e Summer, cresçamos com a experiência do olhar que se desvirtua dos dogmas que apenas as vivências nos atestam. A sequência em que Tom passa por uma epifania depois do rompimento com Summer é um exemplo disso. É a direção assinando a ideia de que é preciso contestar, em determinados momentos, a indústria cultural.
E se o filme parte desse processo, a direção nega sua própria causa numa posição muito honesta com espectador. Porque se a personagem culpa os filmes, a música pop e a cultura pelos desgostos humanos é o “tapa na cara” que levamos por não olharmos para todos esses produtos com, digamos, o mínimo de responsabilidade. Porque o que a indústria da cultura quer é, no mais das vezes, nos alienar dos seus processos.
É claro que em seus 111 minutos “500 Dias com Ela” nos leva ao riso por inúmeros pontos. Seja pelos diálogos inteligentes que Scott Neustadter e Michael Weber criam junto a um elenco muito certeiro na proposta do que é se fazer comédia sem apelos.
Ou pela ideia de uma estória onde as personagens cresçam, mesmo que num processo de inversão de valores, e assim como nós, já não sejam os mesmos ao final da projeção. E é pra isso que o cinema serve; nos lembrando das coisas que ele deve ser e dos preceitos que nós mesmos por vezes não lembramos que temos.