28 de abril: o longo processo de conquista da cidadania brasileira, por Alexandre Aragão de Albuquerque

Neste ano comemoraremos 128 anos da proclamação da república. Duas revoluções nos serviram de referência: a francesa e a estadunidense. Uma diferença básica entre ambas situa-se no fato de que a revolução estadunidense não devorou os seus filhos, como ocorreu com o terror jacobino francês, pois uma revolução silenciosa ocorreu muito antes da declaração da independência, por meio da organização dos colonos das Treze Colônias, na qual a ênfase foi colocada na igualdade dos indivíduos e não em títulos de nobreza, o que levou os fundadores a se preocuparem com aspectos organizativos da nova sociedade mediante laços de solidariedade e de participação política.

Segundo Tocqueville, aquele país tirou o maior partido da associação, valorizando a diversidade cultural existente: havia centenas de associações que devem seu desenvolvimento às iniciativas dos cidadãos. Com a revolução estadunidense, a pátria passou a significar o território cujo soberano é o povo organizado sob a forma de Estado independente.

Entre nós não houve uma revolução: dormimos império, acordamos república. A sociedade brasileira da época se caracterizava por profundas desigualdades sociais, econômicas, raciais e regionais, juntamente com uma forte concentração de poder. Nessas circunstâncias de desequilíbrio estrutural, a implantação de uma república liberal adquiriu um caráter de consagração da desigualdade, com a sanção da lei do mais forte que desenvolveu instrumentos ideológicos e políticos para estabelecer um regime profundamente autoritário, como atesta José Murilo de Carvalho: “não havia preocupação com o público, predominando uma mentalidade que quis modular um capitalismo sem a ética protestante”. Um capitalismo sem o iluminismo, dirá Márcio Pochmann.

A estrutura escravocrata brasileira deu à classe dominante e à classe média tradicional, que naquela se espelha, uma profunda ambivalência em relação aos indivíduos trabalhadores. De um lado, o reconhecimento capitalista da necessidade do trabalho para a existência da acumulação; de outro, a percepção dos trabalhadores como instrumento de trabalho, e não como seres humanos. Aqui o espírito do capitalismo veio acompanhado de uma estranha ética escravista. Por isso, a classe média tradicional reage fortemente a políticas reformistas que privilegiem as classes inferiores por se sentir ameaçada pela ascensão dos pobres que não mais querem submeter-se a condições de trabalho e a formas de remuneração obscenas.

Duas heranças ideológicas marcam esse percurso republicano. O positivismo, que possuía um arsenal teórico bem articulado, centralizado na separação entre Estado e Religião, na busca do progresso pela ciência, com apelo intervencionista de um Estado forte, por meio da ideia de uma ditadura republicana. A incorporação do proletariado à vida republicana deveria ser obra do Estado. Os militares brasileiros sentiam-se fortemente atraídos por essa ideologia.

E o verdeamarelismo, ideologia elaborada pelas classes ruralistas dominantes celebrando o país como essencialmente agrário. Nessa época, explica Caio Prado Jr., quando falavam em progresso pensavam no avanço das atividades agrárias e extrativistas. O excedente econômico não era investido em atividades produtivas e de infraestrutura, mas era destinado ao consumo de luxo das classes abastadas: a classe média se nutria com as sobras do banquete. O verdeamarelismo construiu a ideia de que aqui não é o lugar para a luta de classes, mas para a colaboração entre capital e trabalho sob a forte vigilância atenta do Estado.

Com isso, até o final dos anos de 1970, a república brasileira apresentava várias lacunas: a ausência de uma burguesia nacional plenamente constituída, não tendo condições de apresentar-se como classe dirigente. Como também a ausência de uma classe operária madura, autônoma e organizada, preparada para propor um programa político capaz de confrontar o da classe dominante fragmentada. Esse vácuo foi preenchido pelo Estado, até então o único sujeito político e único agente histórico nacional.

Mas a partir das mobilizações sociais dos anos 1980 que desaguaram na promulgação da Constituição de 1988, bem como com a abertura do Brasil à economia mundial, um novo marco regulatório sob uma nova base material são geradores de novos sujeitos políticos que entram em cena pública na luta pela conquista de direitos de cidadania, etapa fundamental para a consolidação de nossa república. O dia 28 de abril próximo marca mais uma etapa desta luta, com a convocação de uma greve geral, no sentido de garantir as conquistas gravadas no texto constitucional, impedindo o retrocesso que as contra-reformas do governo Temer visa impor provocando um retorno dos trabalhadores e trabalhadoras ao tempo da escravidão.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .